um ano, tempo indefinido, 13:44



bento,

lembra quando te disse crendo certeza que jamais amaria outra vez?
nós dois sentados no silêncio de um escuro na rua central, onde estivemos pouco tempo antes, fomos para casa e voltamos para estar lá sozinhos. nós dois naquele momento em que a caixa de pandora sai da virtualidade se abraça a materialidade. esperamos que a verdade suspendesse ali. esperamos que as palavras começassem a sair, como choro. que a máscara que tanto dizes que tenho recostasse de lado e meu rosto pudesse expor alguma mágoa. o que verdadeiramente penso é o que digo chorando.
as rupturas sempre me assustaram, e a mágoa também. sabes o quanto me escondia disso tudo. você me disse então, com cara séria, com rosto de irmão mais velho, com a voz a confidência, que não adiantava eu bravejar o jamais, o retorno era a certeza. não diga nunca, você vai amar outra vez, vai sentir dor outra vez, e vai continuar amando. é assim, disse. eu lembro de ter sorrido, lembro de te dizer que eu era imune a essas coisas, que se eu assim quisesse, me fecharia a tudo. eu recordo bem de você me sorrindo grande, e dizendo que deixaria como está, eu compreenderia mais tarde. você bem sabe que eu estava errada, mas devo te dizer: enquanto estavas fora eu me decidi começar a me abrir. enquanto estavas fora eu me senti tão confusa e vazia que percebi que precisava que o mundo me chegasse, e não adiantava ter medo de não saber como agir ou de ser apunhalada pelo mundo. o mundo sempre vai aparecer com o inusitado. com o oposto do que se quer, ou do que se preparou para.
eduardo me advertia muito sobre essa dor, e eu sempre me fiz de entendedora, ou de que talvez eu soubesse que dor é essa. a dor de eduardo não era só existencial, bento. e a minha também não o é. me abrir para o mundo me custou outra mágoa. agora não te tenho para segurar minhas lágrimas e oferecer um encosto à máscara. agora tenho somente a solidão para tentar compreender e sanar isso tudo. minhas certezas vão sempre ruir, por mais sólidas que pareçam. aconteceu outra vez, agora pior. me diga você: as coisas obedecem a algum tipo de intensidade? existe algum tipo de escala de que sempre vai ser pior do que da última vez? sabes melhor que eu.
desta vez, te envio minha caligrafia para tentar me aproximar, tentar contar-te o que somente o silêncio do escuro compartilhado, do caminho a uma velocidade sua no asfalto reluzente de nossa cidade, pode guardar. desta vez não direi nenhuma certeza, desta vez eu compreendi que devo somente aproveitar o durante , tendo consciência de que este momento de agora é repetido, e vai voltar. talvez eu tenha aprendido a gostar disso. ou talvez eu deseje me descobrir errada outra vez. estamos todos sempre errados, não é mesmo? espero que possamos todos os ver adiante, eu, você, eduardo e maria c.
ou quem sabe somente nós dois, sem nomes ou personagens.

um afago,
simone