julho, carta da mobilidade ou do retorno

b, 


falta pouco para o momento de partir. te escrevi contando de como andei sem rumo, me perdi. mas agora te escrevo para falar da imobilidade. talvez eu pareça estar me movendo pelo mundo, meio tropeiro, meio desbravando os sete mares. mas na verdade eu estou mais lost in translation que tudo isso. talvez até meio um filme do eric rohmer que eu vi um dia desses. acontece isso, de a mobilidade não acontecer. mas nada do bill murray aparecer no meu filme. acho que ele só aparece no japão mesmo, portugal não é tão absurdo. 
digo isso porque as perguntas que me chegam são quase sempre as mesmas, "conhecer o mundo" pode ser diferente de sair visitando pontos turísticos. conhecer mil lugares em pouco tempo, isso não é pra mim. um dia desses conheci um sujeito da islândia que acabara de voltar do brasil, estávamos num bar, ele falava um bom português. me contou que chegou ao rio de janeiro no primeiro dia de carnaval, sem entender bem em que se metera. não aguentou ficar lá, começou uma longa travessia a outra cidade, cheia de situações estranhas, disse-lhe que o que ele passara chamava-se "perrengue" em português. e foi. então ele me disse que passou todos os meses numa cidadezinha no interior que mal tinha luz elétrica. e que essa sim tinha sido uma experiência incrível, muito mais que o carnaval no rio de janeiro. muito mais que búzios ou são paulo. porque o que ele viveu no interior foi o arroz e feijão todos os dias. o dito cotidiano. ele se sentiu como um morador dali, mesmo odiando o arroz e feijão todos os dias e ainda nutrindo amor por batatas. te conto isso porque eu me sinto da mesma forma. não sei se disseram a ele "nossa, você conheceu esse e aquele lugar? como ficou lá por tantos meses e não conhece nada?". pois, acho que ele conhece sim. eu creio que quem conhece a imobilidade de um lugar o conhece mais. conhecer o movimento é coisa rápida. eu me fiz imóvel aqui. não me leve a mal, eu saí um bocado, conheci lugares maravilhosos sim. mas eu guardo em mim caminhadas sem rumo por oeiras, viagens de trem, cada lugar que eu passei muitas vezes em horarios diferentes ou iguais, a alameda perto de casa. eu lembro de ter me relacionado com esse lugar. de aceitar que ele cuidasse de mim, porque eu precisava de cuidados. e de perceber ele me ensinando como tudo pode ser distinto do que eu conheço. eu vivi sim, na minha imobilidade. eu desbravei as coisas fugidias de onde eu permaneci. e que agora deixo. 
guardo banhos longos no apartamento que fiquei em bruxelas, e a varanda estreita do meu quarto, que dava pra rua, e de ficar lá olhando os prédios e pessoas passarem, com uma luneta de brinquedo que comprei em amsterdam. 
eu lembro de ficar animada com as coisas que eu vou fazer quando voltar. eu quero voltar. mas quero permanecer amando estes momentos aqui, porque eles foram somente meus. eu voltarei, espero. e parto para poder me mover rápido como sempre faço. quando voltar para o calor, para a falta de vento, não será a cidade que cuidará de mim. serão meus afetos. todos eles. cada sorriso que cultivei aí vai me acalentar um pouco. e você cuidará de mim, sei que sim. sei que vai me fazer um café e me deixar fazer um ninho no seu quarto durante uma tarde inteira. e sei que vai me ajudar a fazer muitos planos, porque sabe que fazer planos é o maior dos estímulos. vai rir de mim, vai me deixar com cara de boba, talvez sem graça. eu sinto saudade, fico te imaginando descobrindo meu postal no correio. e lembro de quando eu te enviei uma carta sorrateira, para melhorar seu dia. você quase sempre melhora o meu. quase sempre, sabes disso. 

hoje é minha última noite em lisboa. e, agora, em lisboa mesmo. hoje disse adeus a oeiras. mas não tenho vontade de sair ou fazer besteiras como vivem dizendo para que eu faça. eu quero permanecer olhando a cidade, e só. quero me preservar como eu me gosto, assim, quieta e longe. aqui eu sou assim, sabia? eu não andei de bonde, eu não fiquei um dia inteiro indo de lugar a outro na cidade, visitando museus e igrejas que mal vou me lembrar. mas eu já fiquei um dia olhando o mar e pensando no jardim. disso eu gosto. de ter tanto verde. de ter tanto vento. 

quero lhe contar mais da minha imobilidade, mas vou esperar o tempo passar e eu chegar até você por completo. me espere, coloque a água no fogo. logo depois de amanhã eu apareço para que cuides de mim, logo eu apareço para que possamos rir de como passou rápido tudo isso. tão rápido que seu riso vai entrar em desatino, solzinho. 

afagos, 
e mais afagos,