das coisas deixadas para o devir



da paisagem que me despeço agora não levo senão a sensação de recomeço ou continuidade, que pouco se firma no corpo. até então a paisagem era uma rasura na vontade de ir, agora dilui-se no passados das idas acontecidas, dos encontros dispersos e das contemplações de dentro de veículos em movimento. acontece que não reti todas as coisas, como se espera que aconteça quando são muitas coisas a se reter. na verdade, eu escolhi o que não reteria em fotografia ou sonho. escolhi a dedo as coisas que deixaria passar pra poder sentir em mim que elas eram grandes demais para serem retidas. 
pensei a precisá-las em palavra. mas elas não têm palavra. elas são o movimento a se esvair.
elas completam o meu devir e a minha volta. possuem uma cor de esplendor, algo de surpresa que não têm as coisas comuns. eu fechei meus olhos e escolhi deixá-las para trás. agora elas estão em mim, mesmo que eu tenha partido. e pairam acima das coisas projetáveis em imagem. voam. são o concerto que se escolheu fechar os olhos e somente ouvir ou a viagem de trem que escolheu-se viver em todos os seus segundos a olhar a janela. são tudo que se escolhe viver, tudo que se escolhe reter deixando. 

Lisboa, 22 de julho de 2014