abril, vinte e nove anos adiante

Carlos,

Achei um pedaço de papel largado aos outros pedaços, um desejo ambíguo, um pedido calado. Era romântico, confessava um desejo de falar com outro. Ansiava que o outro estivesse ao diálogo. Agradecia quando podia falar-lhe.
A minha auto-suficiência nunca me engana. Mesmo que eu sempre tenha a pregado, acabo sucumbindo a presenças. O que é estranho é isso: lembra? Sucumbi a quem não importava. Esse romantismo inveterado tinha objeto, mas que ficou alheio a tudo.
O casamento desfez-se e nada me causou chaga. Modificou-me, creio. O dia modifica o estagnado.
Mas meu papel pedaço tinha como objeto alguém ainda mais perdido; penso em como certas representações são prelúdios, síntese. Não fomos feitos pra escolhas plenas.

Não estou a remoer passado. Te prometi não o fazer.
Mas tudo se passou tão rápido, voou em dilaceramento contra nós.
Como não falar então? Como não tentar organizar a rapidez dos acontecimentos?

Meu rebento me consome. Estupor de tudo isso.
Queria eu estar perto, pra que pudesses me dar força.
Envie o que puder dentro do envelope, anseio por abraços.

Elisa