rasuras para um filme futuro











Temos aqui uma figura. [mulher no palco escuro, iluminada por um feixe de luz amarela, só]


Temos aqui uma figura.
O que a constitui como figura?
O que a define como um ser? [imagens uma ao lado da outra, ela vai a biblioteca, anda na rua, ela para em frente a um muro qualquer esperando algo ou alguém, ela caminha apressada para uma obrigação, ela fica imóvel em frente a tv, fica imóvel na cama]

O que pensa? Em que pensa?
Na verdade, o que viveu? [a mulher observa alguém de longe, ela anda com uma amiga, ela conversa com algumas pessoas num bar, ela dirige sozinha, ela escolhe uma vestido rodado para usar]

Temos aqui matéria em movimento
Que se desloca em partes
São partes de seu tempo
Mas em que pensa? [ ela caminha sozinha reparando no céu, ela compra um sorvete, ela almoça com algumas pessoas, ela entra numa casa, ela acende uma luz, ela toma um café devagar, canta uma música  num concerto]

O espaço e o tempo caem sobre seus ombros
Qual é o seu espaço?
Como sua visão se projeta nos prédios?
Existem prédios? [ela abraça alguém, ela tenta atravessar a rua, ela pisa numa poça d'água, ela escolhe um disco, ela abre um vinho, ela fala ao telefone, ela sobre escadas correndo, ela olha um espaço perdida, ela encontra alguém na rua, ela senta numa praça, ela tropeça]

E o calor?
A secura? A falta de chuva?
O tempo pesa?
As rachaduras no chão pesam? [ela mergulha, ela recebe uma carta, ela se olha no espelho, ela usa um lenço no cabelo, ela troca de roupa, ela se abraça, ela olha pela janela, ela respira pesado, ela esbarra em alguém, ela cochila, ela cozinha] 

Esta figura passa no espaço
Dança
Sua memória são fulgores?
São acontecimentos?
Ou sua memória é a falta de? [ela espera no sol, ela come sozinha, ela limpa a casa, ela vê a avó, ela abre caixas com fotos, ela muda objetos de lugar, ela bebe uma cachaça, ela ri, ela fecha os olhos cansada, ela pega a estrada, ela abre um livro]

Esta é uma figura que dança
Costura no corpo os movimentos dos outros que lhe fizeram ser
Monta a memória do corpo [a mulher continua no palco, ela começa a dançar. ela se estende no chão e simula um movimento com as costas, pára, puxa um barbante e ensaia costurar o movimento. ela continua, com o movimento de abrir um livro e se impulsionar avante, ela pára e costura. ela começa então a tomar conhecimento dos braços, expande os movimentos, olha para os braços de movendo ritmados, pára e costura, ela começa a rodopiar, em chamas, ocupando o espaço, ela pára]


Esta é uma figura que dança
Costura no corpo os movimentos dos outros que lhe fizeram ser
Monta a memória do corpo
- A sua língua. [ela respira ofegante, tentando amarrar o nós dos movimentos que passou a ter, está séria. ela não olha, ela está imersa, está guardando a dança, respira. agora, comunica: ela sorri]