carta-passado, 27 de maio


não sei se a distância funciona. a distância é muito incerta, inconstante. distância falta presença, distância falta.

até hoje me privei de sentir saudade, de sentir esse vazio das minhas partes, das minhas pessoas. vai doer, prevejo.

começo a tentar acreditar mais em mim, como alguém portadora de uma voz. hoje me veio uma imagem mórbida à cabeça, foi estranho. a imagem do meu corpo sem vida, sendo velado. (isso, enquanto eu fazia a unha), a estranheza de pensar no meu corpo, de pensar em como aquilo é uma representação de mim, em como eu não sou o meu corpo, mesmo sendo. penso em uma tatuagem. eu não seria uma tatuagem que eu tivesse, entende? é a sensação de ir além corpo, de ser mais que a matéria. ser memória. começo a entender bergson.

talvez eu precise acreditar que a minha memória seja vida que possa se perpetuar.
acredito. eu sou.
afinal, como recebi hoje por carta, eu sou feita de palavras. palavras são memória.

f.