descontrole / 25 de outubro e o nada, 18:00

o chão do quarto não é limpo há duas semanas, talvez três. o resto da casa vai se desencardindo aos poucos, mas o quarto permanece no acúmulo de uma ausência.  duas suculentas morreram por desatenção; o cacto, motivo de afeto eufórico, começara a definhar por falta. tudo faltava porque não havia espaço. 

nas paredes se acumulavam papéis com datas, obrigações e dois versos; três pedaços de papel amarelo pregados ao lado de duas ilustrações, cada um com uma palavra: a imagem a memória o sentido. três quadros que não se olhavam. os livros, na parede ao lado, caíam, amontoados e sem disposição aparente. caixas entre os livros, discos entre os livros, objetos que não se sabiam onde poderiam estar entre os livros, o que precisasse de lugar entre os livros lá estaria. em verdade, era o melhor lugar para se estar. 

a mesa não se via há duas semanas. recentemente fora tocada e agora pode-se ver a cor branca e um espaço que logo esteja submerso em objetos avulsos. tudo parece ir se cobrindo da desordem. alguém parece ter desistido de conter tanto, tantas palavras e imagens e sensações, tanta memória. alguém parece ter abandonado o quarto ao acúmulo. saído, ainda é seu. toda a memória retorna ao quarto, porque o quarto é seu corpo. ainda assim, não está lá.
papéis e roupas se acumulam em todos os cantos, nada dentro do guarda-roupa. a cama não se vê. três meses e ninguém habita o quarto. três meses que o quarto pede que algo intervenha, mas nada intervém. a vida segue e o quarto mergulha na inércia de uma falta estranha. uma falta que não é propriamente triste, ela parece ser só a falta de acontecimento. o tempo corre diferente nesta falta, o tempo é algo inestimável que percorre o quarto e vai deixando as marcas imergirem. listras de um short, guardanapos escritos por uma moça que passava rápido em 2012, fotos que não são de ninguém, postais que jogaram por debaixo na porta e acabaram se molhando em uma água derramada horas antes, pastas cheias de desenhos antigos, recortes e rascunhos de trabalhos que viriam a ser.

                         mas nada nasce do quarto, nada nasce do quarto porque o quarto tornou-se apático, um não-lugar. as suculentas pedem para que tenham um outro fim fora do quarto, o cacto pede afeto outra vez, a máquina de escrever já não se sente feliz como um suporte de papéis, os papéis já cansaram de esperar, tudo cansou, tudo perdeu uma cor ou duas. 

o quarto pede uma noite de sono tranquilo, de música que o preencha, de um corpo que deita no chão e fica em consonância com o espaço e todas as memórias. um corpo que saiba retirar do quarto o que não é mais seu, saiba deixar ir, saiba limpá-lo, abrir espaço para outros pertencimentos 
afetos que só vem

quando há espaço

afetos que não se acumula
se tem