volta



hoje o sol rabiscou de amarelo a paisagem
só assim percebi sua palidez no ontem.
meu retorno é desajeitado, 
o polo da chegada sempre me desconserta.
por isso parto outra vez, 
parto pelo medo de me descobrir como as figuras velhas que se escondem dentro de casebres desapercebidos no centro da cidade; existências de sombra, 
um ser não-sendo.

no dia depois de amanhã eu talvez retorne com calma, 
talvez depois de partir por tantas vezes eu perceba 
o que falta; eu me veja no espaço, 
amplo, pleno, caminhando nas mesmas ruas
a mesma rota, o horário sem sol (o sol que eu sei que aqui é diferente)
pouco vento, pouco verde, e perceba meu mover desengonçado, 
meu passo que titubeia nas esquinas, faz curvas sem certeza, 

depois que retorno, convulso 
no corpo que não cresceu no compasso da consciência,
eu sinto as presenças que me são parte
eu sinto os sorrisos e os abraços
eu sinto quando a bailarina toca as minhas costas, num afago
e aquilo me tira um peso, o contato
eu sinto a minha respiração tentando suportar a volta
sinto tudo, registro tudo.

eu sinto falta de ar quando vejo de forma panorâmica a paisagem seca do meu lugar
os montes estendidos no verde-seco-pálido, as silhuetas dos troncos retorcidos clamando 
água. tudo sem tom, mas tudo se completando com o céu, 
o céu que é mais azul, o céu que faz par com a terra, 
tudo se espalhando no espaço, tudo me espanta os olhos, 
é cerrado; é sol que queima, é ambiente seco. 
o vento que me chega vem da velocidade que percorro a estrada. 
eu sinto cada pedaço desse espaço, é vasto, é grande que são se cabe. 
 - a alma da gente tem espaço.