d,
ontem respondi a uma carta antiga, nela pude perceber os traços de semelhança entre algumas situações, ou talvez eu possa te dizer: ontem eu vislumbrei o universal de outra forma. estava ali de forma palpável, estava ali para ser lido. um padrão engraçado, uma estrutura em letra afetiva. talvez o padrão seja assim, algo que trespasse a memória e traga a superfície o conhecido. ao mesmo tempo, na estrutura eu vejo como existem ramificações, possibilidades, nas lacunas de tempo não dito. é quase que aquela pergunta que se faz em filmes com fade out, que quando retornam a imagem já se passou muito tempo: e o que aconteceu no meio tempo? o que aconteceu no silêncio? em paráfrase, não tem tamanho o silêncio dos tempos. por isso, quando os dias estão mudos eu me incomodo tanto. dias mudos me fazem sempre lembrar que o tempo passa diferente, os acontecimentos não são só meus e que as pessoas podem mudar em lapsos de segundo, em um diálogo curto, em um par de frases. nós mudamos, não mudamos? eu e você. mas me lembro bem que nossos dias mudos eram sempre cheios de certeza sobre o outro. é uma ramificação da estrutura, eu penso. assim como a situação da carta me fez lembrar da minha própria vida, das minhas cartas enviadas em outro tempo. mas não creio que eu esteja no mesmo lugar que o joão, as coisas que me tumultuam não parecem causar ferida alguma a ele. talvez o joão da carta esteja em outro tempo, um tempo em que nada disso me tumultuava também.
hoje tive um ataque de pânico. agora estou a espera.
eu ando por me esforçar para agradar quem está perto, estou saindo do piloto automático. costumo deixar as coisas por fazer quando estudo demais, ou saio demais, sonho demais. é como a impossibilidade de não viver tudo, entende? ou você lembra de lavar as panelas sujas ou têm o momento de compreensão ao ouvir uma melodia nova. ando juntando os dois. ando tentando me apegar as coisas práticas, as obrigações, as contribuições. estou me esforçando, estou me ocupando disso para pensar menos, me mover. mas hoje houve um acontecimento que rompeu com tudo isso, nenhum ato meu, digo. mas aconteceu. e, repentinamente, os meus esforços vão acabar por perecer assim, tão cedo. mesmo que eu me esforce, o desastre parece estar no meu encalço, uma sombra. eu vou ser sempre a pessoa a tropeçar e cair quebrando todos os copos de vidro. ou aquela que chuta o pé da mesa sem querer enquanto passa. meu pânico se dissipou nessa espera. logo mais terei que lidar com o desastre, terei de assumir as consequências, é assim.
está chegando.
eu espero.
um carinho para ti,
f.