abril

( para Eduardo, Jonas, Douglas, Karla, K., Fabi, Helena )

guardo a existência em caixas, nelas há
cartas e fotos - que releio e choro, por vezes. que vejo e suspiro, por saudades.
cartas de indagações e dores, de dezembros passados com distância, de tempo que voou até o envelope, e lá se assentou. lá reside como afagos que tentam me lembrar meu próprio rosto.
as fotos e as caligrafias persistem,
resistindo contra os dias cheios de falta de tempo bom para abrir a caixa.
as lembranças pedem pra que se pense nelas.

há também recortes e papéis avulsos,
anotações de pensamentos que pareceram fugidios, e se mostraram eternos na releitura - sólidos vacilantes.
pedaços de panfletos ou amostras de informações difusas, que por fim são entradas gastas
passeios feitos, lugares que outros visitaram (e não eu), são desejos.
são tentativa de deixar palpável a memória dos fatos

tranco-os em caixas, suspiro porque existem
meus fragmentos, meus recortes, minha tentativa de artefato
existem por que são em mim o que mais importa, alegro-me
(da consciência dentro da caixa)
eu os vejo, eu lembro
- talvez todas as fotos e caligrafias possam ser vistas através dos cachos, do batom vermelho, ou de algumas marcas no rosto, no balanço da saia ou nas pernas tortas que tropeçam
e mais marcas.

( colagem a partir de O Espírito da Colméia, de Victor Erice)